01 outubro 2005

A enganação do telefone popular

Em vez de tratar com seriedade a questão da assinatura telefônica, nossos políticos, liderados por nosso "louvável" e "caridoso" Ministro das Comunicações, Hélio Costa (que tem tomado posição duvidosa quanto a muitos temas de interesse nacional), saem agora com essa do "telefone popular". Não que eu defenda os demagogos lá do congresso que saíram com aquela de simplesmente acabar com a assinatura, mas esse telefone popular também cheira a populismo. Alivia, mas não resolve o problema.

A nova assinatura, com preço em 50% da assinatura convencional, dará direito a 60 pulsos (a convencional tem 100) . No entanto, os pulsos excedentes da assinatura popular custam mais que o dobro do preço. Por quê?? Se há um critério sócio-econômico como condição de adesão a esse novo plano, não há risco que todos mudem para ele para tirar vantagem. No fim a idéia é que se fique só com isso, ou pague-se pela plena: "Ah, pobre não tem o que falar mesmo...". Ou seja, não se quer necessariamente democratizar o acesso, mas oferecer um paliativo para os miseráveis (além de aumentar a base de usuários das telefônicas, que já projetam lucros com esse novo telefone, com os usuários vindos dos "pais-de-santo"). Menos custoso que usar um celular pré-pago, é verdade, mas que discrimina, além de ser arbitrário (quem ganha quatro salários não mereceria?). E será agradável ter que ir provar aos funcionários das telefônicas que se ganha menos que três salários mínimos? Será que não haverá espaço para trambiques?

É como comprar um computador com aquele "Windows XP Starter Edition", lançado para "baratear" o Windows para as classes mais pobres que lutam para comprar um micro, mas um Windows completamente depenado. (Na verdade o intuito não é caridade com os pobres, mas barrar o crescimento do Linux nos micros vendidos em loja. Mesmo que a pessoa não fique com o sistema do pingüim, depois ela colocará um Windows pirata. Em ambos os casos a M$ sai perdendo, por isso lançou o Starter).

Essas soluções "engenhosas" são muito mais precárias que simplesmente abordar o problema de forma aberta, o que os rabos presos não permitem, lógico.

O problema da assinatura atual é o peso de ouro cobrado pelos pulsos de franquia, muito acima do preço dos pulsos excedentes. Como pode isso? Uma taxa constante cobrada a usuários de um dado serviço se deve basicamente ao custo de disponibilidade, em resumo, custos fixos. Custos que estão lá, usando-se ou não. Por que não se discute o nivelamento dos preços dos pulsos de franquia e excedentes? Por que não são auditadas as planilhas das empresas para estabelecer um consumo mínimo de pulsos (como a tarifação de água e luz, não mais como assinatura) que de fato corresponda aos custos fixos?

(Vale lembrar que o próprio pulso é uma coisa completamente arbitrária, herança das centrais eletromecânicas do início dos tempos - felizmente esses acabam em janeiro, passando a minutos).

A questão é portanto outra, não de caridade para com os pobres. Certamente a assinatura não visa mais apenas cobrir os custos fixos, mas sim ser uma das fontes de faturamento, segundo a lógica da necessidade do lucro crescente; como confessam as operadoras, as assinaturas são sua maior fonte de lucro atualmente. Só para lembrar, as assinaturas foram indexadas nos contratos de privatização aos índices de inflação, mas será que os custos fixos crescem na mesma proporção? Duvido. Por que não são revistos os contratos de privatização, que estabeleceram esse disparate inaceitável? Saliento que a solução não é simplesmente acabar com a taxa fixa, mas trazer as cifras de volta à realidade; dai a César o que é de César, mas não mais que o devido. Para comparar, vejam a distorção do preço do minuto das ligações nos pré-pagos, com os custos fixos diluídos no uso, onde não se sabe quanto se paga para cada coisa.

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Aproveito para mencionar alguns Robin Hoods às avessas praticados pelas operadoras, como a internet grátis, que tira dinheiro dos pobres para dar à classe média, ou das promoções absurdas de DDI, dos pobres para os ricos, ambas através de transferência de custos para assinaturas e chamadas locais. Será que isso também não deveria ser questionado?

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Viva os serviços de VoIP, viva o Skype, que cedo ou tarde devem forçar mudanças na telefonia convencional em direção a uma maior racionalidade e justiça. Mas infelizmente essa mudança vem de cima para baixo, havendo o risco das massas ainda assim pagarem o pato, uma vez que só as classes média e alta podem desfrutar até agora de serviços na rede. Será que enfim o problema será visto como é, ou assistiremos a novos paliativos nos próximos capítulos?